por onde andará meu pensamento...
Me espanto, me assusto e me alegro com os caminhos que de vez em quando encontro nos meus pensamentos...



sábado, 3 de julho de 2010

Uma pequena história de mofo.

"Sim, deve ter havido uma primeira vez." (C.F.A)

E ele como bom funcionário que era não permitia que nada desviasse sua atenção ou te tirasse do foco. O trabalho não era lá dos mais difíceis, mas exigia um pouco de concentração, afinal... se você erra um cálculo tudo se perde a partir daí...
E era sempre tranquilo, apesar da confusão no intervalo, da hora do rush do banheiro da sala, da impressora com defeito, do técnico engraçado, da troca da lâmpada, da faxina e etc.
Sim... era tranquilo, pelo menos pra ele.
Ele era sozinho, não muito amante de bares, boates e coisas do tipo. Péssimo paquerador, com pouquíssimo jeito para conquistas arrebatadoras e com uma espécie de medo dessas conquista até.
A primeira vez que nos vimos, ele cruzou o espaço da sala e me olhou meio assustado, com um olhar de estranhamento com que frequentemente se dá quando alguém não deve estar naquele lugar, naquela hora.
Eu pensei que de fato aquele não seria o melhor lugar para se trabalhar a vida inteira, mas que talvez pudesse conhecer pessoas novas, ter alguma experiência no "mercado de trabalho" e que enfim pudesse tirar algum proveito daquele lugar.
O lugar. Cadeiras sujas, duras e velhas. Mesas um tanto desgastadas, algumas com porta-retratos, outras com muitos papéis... alguns computadores velhos, outros mais novos e as impressoras - trilha sonora daquela sala - aquelas impressoras que demoram horas para imprimir e fazem um barulho infernal. A Matilde acreditava realmente que eram muito mais econômicas e que de forma alguma prejudicariam o andamente (lento) dos trabalhos.
Matilde foi a primeira que eu conheci. Pequena, gorduchinha, com cabelos tingidos de ruivo e que não combinavam com o seu rosto, uma pinta que seria sexy em outro rosto, um sapato de salto que fazia muito barulho no chão da sala quando caminhava e as roupas de quem quer ser bonita mas não consegue. Simpática, no entanto. Em alguns momentos, é claro, mas sobretudo no início e naquele primeiro dia depois da entrevista...
_ Bom dia!
_ Bom dia Everaldo, a sua mesa é aquela ali.
E foi só. Que simpatia. Nada de apresentações, nada de nada. Seguiu seu caminho.
Segui, então, em direção a minha mesa e sentei. Só. Foi nessa hora que um olhar de estranhamento bateu sobre mim. Eu pensei que aquele lugar não fosse para se trabalhar... E ele veio até a mim. Meio desconcertado, sem jeito.
_ Bom dia.
_ Bom dia.
_ Augusto.
_ Everaldo.
_ Essa é minha mesa.
_ Desculpa.
_ A sua é aquela outra.
_ Desculpa.
_ Não tem problema.
_ Desculpa.
_ Tudo bem.
_ Tudo bem.
_ Tudo bem.
_ Tudo bem.

Ah! Me encaminhei completamente vermelho e sem graça para a mesa indicada. Sentei. Olhei de frente e dei de cara com a Carminha que fazia um sinal com a cabeça como que dizendo: _ Não se incomode, ele é assim mesmo. Ela estava de vermelho. Era a mais velha. E nesse meio tempo entrava Matilde com seus sapatinhos cruzando a sala. Reparei no mofo que tinha na parede da esquerda, ainda pequeno, mas capaz de dar início a minha alergia. Congelei. Ela tinha nas mãos vários papéis. A minha mesa não tinha computador. Ela depositou os papéis sobre a mesa.
_ Preciso de fechar essas contas, bem, você sabe como é, né?! Então você faz as contas, bem, e quando for 16h vai na minha sala pra me mostrar, tá?! Hoje ainda, bem.
E foi.
_ Ah... e seja bem-vindo.
Olhares de todos pra mim.
_ Obrigado. Eu sou o Everaldo.
_ Carminha.
_ Antonio.
_ Clotilde.
_ Antonio Moura.
_ Jurema.
_ Augusto. Já nos conhecemos.

Olhei para todos, que imediatamente voltaram para seus afazeres. Menos ele. Augusto me olhava inquieto.
_ Desculpa. Eu estava meio preocupado e nem percebi a forma como falei com você. Essa mesa é minha, eu tenho alergia a mofo e tenho que ficar na janela.
"Eu também tenho alergia a mofo", pensei.
_ Sem problemas. Eu disse.
_ O seu computador foi concertar. Disseram que chegaria ainda hoje. Mas parece que você vai ter outro serviço hoje.
_ É.
_ Fique a vontade e se tiver algum problema...
_ Obrigado.
_ Disponha.
_ Obrigado.
_ Disponha.
_ Obr...

Essa foi a primeira vez de muitas conversas, encontros e despedidas. Que nos marcariam profundamente para o resto de nossas vidas. Saí daquele lugar em seis meses e junto comigo saiu Augusto. Ele não conseguia mais trabalhar, errava os cálculos e solicitava a minha ajuda sempre. A proximidade veio com o acaso, com o destino e com o amor.

"Além disso, não consigo dizer mais nada, embora tente desesperadamente acrescentar mais um detalhe, mas sei perfeitamente quando um lembrança começa a deixar de ser uma lembrança para se tornar uma imaginação." (C.F.A.)



Nenhum comentário:

Postar um comentário