por onde andará meu pensamento...
Me espanto, me assusto e me alegro com os caminhos que de vez em quando encontro nos meus pensamentos...



domingo, 28 de outubro de 2012

vazio. vazio. vazio.

vazio. esvaziado. sem ar...
puxo com força o ar quente desse dia sem sentido, mais um... como tantos dias contados por Beckett.
e não me preencho.
o que me preencheria nesse dia suado?
meus olhos se fecham a procura de palavras ao mesmo tempo fugindo de lágrimas pequenas e de alguma forma doces.
a ausência se funda em diversos lugares, planos, momentos compartilhados e despartilhados na passagem do tempo.
percentual baixo de flores nessa primaveira.
porque se tem alguma coisa que floreceu, essa coisa foi meu coração... ele sim deu flores na primavera, mas assim que a flor brotou a água começou a acabar e a flor está agora murcha, murcha, murcha... vazia.
esse silêncio musical me preenche e alimenta o sorriso tímido estampado no meu rosto repleto de pêlos...
caberia a mim contar que tudo isso me assusta muito. muitíssimo. para usar superlativos que me acompanharam um pouco nesses últimos dias...
a minha vida, no entanto, não se inspira em ação pelo superlativismo...
mas o susto é grande de qualquer forma... porque o mesmo ser que compõe Adagio para G menor, mata a facadas ou dá uma surra num homem na Savassi.
porque o mesmo ser, com a mesma estrutura física, é completamente diferente em alma.
e as capacidades imaginativas e a inteligência e tudo isso pode ser absolutamente usado para coisas completamente diferentes. (eu ia dizer para o BEM ou para o MAL... mas preferi não dizer, já que isso é muito estanque, rígido, em relações que não podem ser olhadas com esse olhar)
paro.
reflito minimamente.
lembro do texto de "Oxigênio" e retomo a pergunta: "O que é o essencial para você?"
Porque aquele ser faz tudo o que faz pelo essencial, seja ele qual for.
Talvez seja exatamente esse o motivo desse vazio nesse domingo de eleições municipais... porque a eleição em si é vazia.
E com um essencial bem, bem duvidoso...
é difícil pensar nessa situação em que nos encontramos metidos, jogados... e desrespeitados...
"o poder absoluto corrompe absolutamente" já diria alguém importante na história mundial.
eu diria: qualquer poder corrompe absolutamente...
e tempo não fecha.
o tempo não grita mesmo diante do calor.
a natureza não responde.
o fim do mundo não se aproxima.
mesmo hoje sendo 28 de outubro de 2012. Faltando exatamente 53 dias para o fim do mundo.
O que você faria em 53 dias?
Eu vou trabalhar, procurar um amor, achar (rs), namorar, gastar dinheiro...
e o mundo acabaria assim: vazio.
vazio de todo sentido. vazio de toda consciência.
e se digo mundo, digo mundo mesmo... planeta terra.
estamos vivendo vazios de vida.
são tempos difíceis os tempos vazios.
porque o meu vazio só aumenta o vazio dos outros e vice-versa.
e mesmo que eu me preencha de palavras, músicas e gestos... o preenchimento é vazio.
porque me preencho com as coisas do mundo vazio.
e isso tudo já virou (ou sempre foi?) um grande ciclo vicioso.
vicioso de vazios.


domingo, 14 de outubro de 2012

o que eu poderia dizer sobre mim...

É bem verdade que dentro de algumas horas me saltarei da cadeira afoito ao receber uma mensagem de alguém que espero. Como também é bem verdade que meu coração se consumirá em agonia por uma resposta ausente ou um telefonema não atendido. Eu poderia dizer que estou certo ou errado. E que de qualquer forma estou fora do eixo. Seja para o lado bom, seja para o lado ruim (mesmo sem saber qual lado é qual).
Não estou de saco cheio de história de amor. Sei, no entanto, que a minha história ainda nem é de amor e que já estou de saco cheio dela. É porque queria me perder em alguém, queria me esconder em segredo, queria mergulhar fundo nisso que se chama "estar com alguém".
Parece até que estou na terapia. E por isso, vou guardar as palavras para do dia de amanhã...

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O que eu poderia dizer sobre ele...

E se eu te dissesse que coloquei "Le berger" para escrever? Coloquei mesmo... Porque dentro de mim pulsa essa voz escondida, nesse dia claro, num quarto escuro, numa ideia meio assim melancólica, saudosista, apaixonada e sem saber do futuro...
Já praticamente desisti de contar histórias dos outros, uma vez que as minhas análises próprias tomam conta das minhas escritas primárias. Foco. Precisaria de foco para fazê-lo. E poderia narrar a história de um pastor de ovelhas. Eu poderia contar a história desse jovem que cuida, que na música se descuida de si mesmo, mas não gosto de histórias de suicídio, portanto o meu pastor não morrerá no final, pelo menos não por ele próprio.
Eu poderia, então, contar que ele nasceu em Sintra, Portugal. (E que não me importa saber se em Sintra existem mesmo ovelha.) Da mesma forma ele poderia ter nascido em Pontevedra, mas nasceu em Sintra, para aceitar a primeira ideia. O que importa é o que eu poderia dizer sobre ele: novo, "com fogo nas patas", cabelos embaraçados e lisos, roupas largas, nem alto nem baixo, um tanto de amor e de carinho, e muita responsabilidade. Mesmo por aquelas que não tinha por obrigação cuidar, cuidava. Não era à toa que elas queria ficar próximo dele. Às vezes até fingiam um machucado aqui outro lá para que ele as carregasse. Sempre tinha uma nos ombros. E sempre tinha dores nas costas, naquele tempo. (Hoje, não mais...)
Sabia também poucas coisas: sabia remédios naturais para as feridas, sabia prever o tempo, sabia fazer roupas, sabia suportar o silêncio e a solidão. E precisava, sempre se precisa suportar o silêncio e a solidão vez em quando... apesar de que ele o fazia constantemente. 
Talvez seja bom, nesse momento da narrativa, falar sobre o amor. Já citei acima meio apressado nas definições o amor e o carinho. Isso se concretiza com a comprovação de que todas tinham nomes dados carinhosamente por ele e que apenas ele sabia diferenciar. Como se não bastasse a partir do nome de cada uma e para cada momento distinto elas ganhavam apelidos diversos, aproximadamente uns 4 apelidos para cada. Mais o nome. De um total aproximado de 50 delas. Totalizando aproximadamente 250 criações denominativas. O que denota sua atenção especial, carinho e peculiaridade que lhe valem uma história, mesmo que medíocre.
Longe dali, aproximadamente 250 km dos campos em questão, onde se encontrava o jovem também em questão, morava Laila, a jovem garota pela qual tenho o desejo de fazer com que o nosso jovem herói se apaixone, mas que não quero fazê-lo, uma vez que não desejo contar uma história de amor. Laila, era linda, 16 anos, estudiosa, simples, cabelos longos, lisos, claros... desses que marcam a imagem da pessoa quando a gente se encontra com ela pela primeira vez correndo de costas num campo de margaridas e os cabelos saltitando e balançando alegres. Vi Laila pela primeira vez assim... correndo de costas, como num filme... cantei uma música como trilha sonora e gravei na minha mente a cena com nossa atriz real. Laila. Precisamente a garota dos sonhos pela qual me apaixonaria perdidamente caso eu não soubesse que o protagonista dessa história não sou eu e sim o jovem dos campos à 250 km de distância. O jovem pastor de ovelhas, Alexandre (gostaria de chamá-lo de um nome russo, não sei porque, e aproximo esse desejo no referido nome).
Alexandre e Laila, contrariando meus desejos mais íntimos se tornarão sim um casal, mais um casal, como esses que cruzam a literatura, o cinema e as novelas de todos os tempos. Com a peculiaridade de que o farão sem jamais se conhecer, afinal, estão a 250 km de distância. Alexandre era apaixonado por estrelas. Laila também. Laila era apaixonada pela lua. Alexandre também. Ele gostava de legumes. Laila gosta de folhas. Ela gostava de frutas cítricas. Ele também. Ela era o clichê de boa menina. Ele era o clichê de bom menino. Ele terminará essa história sozinho. Ela também.
O povoado dos arredores de Aljezur se encantava com a sorte de ter Laila entre seus mais ilustre moradores. Simplesmente pela alegria e energia que emanava na vida. Ao acordar daquele sonho estranho, Laila passa pela primeira em frente a padaria do Sr. José Manoel sem dar "bom dia", fato que assusta a esposa do mesmo. Chegou a pensar, ela, a esposa, que a garota tinha tingido o lençol de vermelho pela primeira vez e estava assustada. Mas não era isso, isso não lhe causara constrangimento já que sua lhe havia prevenido com a antecedência necessária. O que aconteceu naquela noite foi o seu casamento.
O jovem no altar era novo, "com fogo nas patas", cabelos embaraçados e lisos, roupas largas, nem alto nem baixo, um tanto de amor e de carinho. Sorria com uma ovelha nos ombros, enquanto aguardava a entrada de sua noiva: Laila.
Ele havia acordado e curiosamente não tinha dado "bom dia" para Helô, a ovelha ferida da vez. Helô ficou até ofendida, mas não chegou a falar nada, pensou que poderia ser fome, a única coisa que a tirava realmente do sério. Mas não era. O motivo de tal ausência de "bom dia" tinha nome, cabelos longos, lisos e claro. Ele acordara de um sonho real.
Laila entrava na igreja com seu bouquê de margarida na mão, as mesmas margaridas que tenho gravadas no meu filme. Ele estava na altar com Helô nos ombros. Sorriam os dois, um sorriso verdadeiro de amor. Quando perceberam diziam sim, um pro outro. E logo em seguida davam o primeiro e único beijo. Ele em Sintra, ela em Aljezur. Casados, olharam para suas mãos na hora de sair da igreja e viram as alianças simples, mas que confirmavam a realização da cerimônia. Enquanto saíram da igreja se acharam jovens demais para aquilo e eram. Talvez mesmo por isso, ao abrir os olhos Laila viu que quem estava ao seu lado na cama era sua irmã caçula, Ana. E Alexandre ao abrir os olhos viu Helô, apenas Helô, aquela garota de nome Laila com quem havia se casado a pouco não estava mais ao seu lado. Onde estaria? Laila se peguntou a mesma coisa enquanto acariciava os cabelos macios de Ana, minutos antes de sua mãe lhe chamar para as primeiras tarefas matinais.
Casados, apaixonados, felizes... os jovens desta história iniciam sua trajetória ainda sem fim de se encontrar. Como? Não se sabe ao certo. Estão à 150 km de distância. Ela com 26 anos. No último verão estiveram os dois em Faro, mas apesar de toda a energia e força que os ligava deram atenção a outras coisas e acabaram por coisa de segundos não se encontrando. Do jeito que estavam também nem sei se poderiam se reconhecer. Haviam se distanciado um pouco de si mesmos e consequentemente um do outro.
Continuam apaixonados por lua, estrelas e frutas cítricas. Continuam casados um com o outro desde aquele sonho. E esperam se encontrar um dia e viver o amor que lhes foi prometido. Ou imaginado?
O que eu poderia dizer era que não eram totalmente felizes, mas tinham a alegria de serem fiéis às suas próprias vidas, desejos e amores... eram felizes por serem amorosos consigo mesmos.

   

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

zum...

rápido...
veloz...
parecido com o tempo...

Shakespeare

Como o sangue que sai das veias empapadas de suor... como a alma que vibra pela cena que passa... como a nuvem que enlouquece formando desenhos mil para desejosos aventureiros que querem ver desenhos no céu... como o perfume que brota da casca da árvore raspada e retirada da sua dona mais gentil... como um soneto que é incapaz de atravessar o jovem coração que não sabe o quanto aquilo é importante, bonito, tocante... e que não importa se é ou não é realidade... porque existimos exatamente para ultrapassar qualquer barreira de realidade... porque precisamos de algo muito além da realidade que só uma arte minimamente arte poderia dar... como uma flor que brota despercebida em meio a folhas e cresce e solta perfume e descobre depois de um tempo que é ela o motivo, a razão, o foco, o ponto central de tudo... como a flor que se percebe a mais bela em meio as folhas verdes, cortadas, sujas de terra... ela a flor se descobre rainha porque assim foi feita para ser... as minhas flores brotam mas não se descobrem rainhas porque eu que sou a raíz não acredito na potencialidade das minhas pequenas flores... é preciso olhar para tudo isso com o olhar daquele que descobre o fogo, que descobre que as lágrimas caem sempre que ele acha que tem alguma coisa importante a dizer e corre pra frente do computador escrevendo rápido como se soubesse o que escrevia e como se tivesse encontrado o ouro, a cura da doença terrível... como o olhar daquele que descobre... que descobre simplesmente...

"Pois é na arte que o homem se ultrapassa definitivamente" (Simone de Beauvoir)

não leio o que escrevo... não leio porque quero que as palavras que ouço de Lavoura Arcaica penetrem substancialmente nessas palavras sem sentido, cheias de som e fúria significando nada... chega de superficialidades vãs... que o meu teatro seja tomado de paixão... que o dinheiro que eu pretendo ganhar não seja barreira para lutar... para fazer o que eu amo... que o meu ser sabe que o poder dessa onda é muito maior do que qualquer coisa material... que o sentido seja muito mais rico e muito maior do que qualquer coisa que me impeça de dizer que é preciso ir além... é preciso ir muito além... é preciso dizer essas coisas não ditas... é preciso que eu diga essas coisas não ditas... e é preciso que eu coloque tudo isso nisso que se chama arte... eu preciso me ultrapassar... e isso não deve ser um plano para quando alguém chegar de viagem... ou para quando o momento certo chegar... os personagens não esperam... a dramaturgia tem urgência... o mundo clama por uma mudança profunda mesmo que seja entre o nascer e o pôr-do-sol... as descobertas mais alucinantes possíveis... sou eu... sou um E.T. nessa atmosfera sem sentido em que prefiro dizer que não sou... sou um coitado atrás de uma máscara não expressiva... sou tudo isso e mais um pouco de confusão... sou loucura e fracasso... sou desejo e glória... sou amor e tristeza num intervalo curto de tempo... sou humano... un être humain... e hei de sê-lo até o fim...

Que essa música que toca me envolve e encosta lá nas profundezas do desejo que não quer ser revelado... que a lembrança de um amor verdadeiro acorda nos momentos de maior dor e solidão justamente porque o que foi fica marcado e o que não foi é esquecido... e muitos anos estão esquecidos e poucos são lembrados... porque a luta é pela sobrevivência sabendo sempre que a vivência e a evolução são consequências do tanto que conseguimos sobreviver... não... não sei de nada... sou como a lua encoberta pelas nuvens que deseja se mostrar mas que é impedida pelo acaso... nessa noite fria quase sem sentido o desejo de escrever algo que valha a pena ser escrito começa a assolar a legitimidade de alguma coisa que tem realmente um sentido... o desbloqueio deve ser trabalhado para dizer por exemplo... não espero nada de mim mesmo a não ser uma transformação substancial... mas não quero falar mais de mim e sim dessa força oculta que nasce e morre a cada vez que nos ultrapassamos... dessa força que ultrapassa como um carro que atropela o sujeito na esquina numa terça-feira qualquer às 16h... que os meus olhos clamam por beleza... que a minha alma chora pela falta de comunicação entre mim e os anjos... e entre mim e os meus eus do passado... minha alma chora de me ver fazer as mesmas coisas que só ela consegue ver... minha alma se alegra de me ver descobrindo alguma coisa, mas chora em seguida sabendo que no dia seguinte eu terei me esquecido e sobretudo porque ela sabe que esse texto não vai adiantar e não vai trazer a tona a verdade de novo a não que eu me ultrapasse mais uma vez de outra forma...  quantas vezes eu fui ultrapassado por alguma coisa e não posso deixar de fazer o trocadilho de que continuo completamente ultrapassado... porque o projeto da minha vida deve ser feito... e todos os projetos devem ser o projeto da minha vida...

que chova... que chova com raios e trovões... que o vento embale com violência as árvores... e que todas as vidas que devem ser salvas sejam salvas... é reveillon... é rito de passagem... é a dança da chuva... é o caminho que bifurca... é o desejo de dizer obrigado pela semente... é onda de som... de fúria... de ódio... de amor... de violência... de paz... de sentimentalismos bobos... sentimental... um coração saliente bate simplesmente... sem saber... porque eu amo os três pontinhos, mas às vezes é preciso colocar o ponto final. O ponto que sinaliza que acabou. Que estamos satisfeitos e que esse é o caminho escolhido, trilhado, defendido, amado e feito. É que preciso colocar um foco em mim agora... um elipso claro, seguro, à 50%... é preciso que eu me levante dos sacos e suba no alto da montanha até chegar perto da lua lá atrás... e é preciso que eu grite com toda a força dos meus pulmões associado a força de minhas pregas vocais o texto decorado... é preciso que seja muito mais do que força, vontade de acertar, vontade de não errar... é preciso que seja paixão... é preciso que seja visceral... é preciso que seja... que seja. que seja! que seja!!!

eu não sou tão apaixonado quanto você, mas queria aprender... (e eu acho que eu não devia escrever isso, mas escrevo mesmo assim, porque parece ser a mais verdadeira verdade.)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Cada vez me encanto mais e mais com essa história de livros e as histórias dentro deles.
E quero cada vez mais escrever um pouco de histórias... será que elas virão na minha cabeça um dia?

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sobre realidade e ficção.

Tinha as mãos macias. Os cabelos silenciosos. A boca brilhava, de rosa, vermelho, gloss... Sabia que tudo na vida ia passar, mesmo que um dia as coisas parecessem um pouco mais eternas.
Nesse silêncio de vento que esvoaça cabelos, às 18h de um pôr do sol numa praia qualquer, ela escreve na areia os desejos mais verdadeiros e silenciosos da sua vida: ser, ser alguém, ser alguém especial. E ponto final.
As ondas que vêm e levam sua letra especial, também molham os pés, especiais, e fazem todo o corpo arrepiar... água gelada do mar... água do desejo...

Não tenho mais o que dizer... e sempre digo isso desde Paris... quero falar, dizer, gritar... mas não sai muito bem... só sei falar de mim... não consigo me voltar para as histórias dos outros... desses tantos outros que passam pela minha cabeça agora... da mulher especial, do homem que criou raízes nos pés, da menina encantada, da... da vida... da vida que corre e arrasta... arrastão... e nós peixes pegos, vemos, mas não entendemos e não conseguimos escapar da rede... redes... facebook, twitter, orkut (ultrapassado), blog's, redes sociais... sociais... mas não queria falar de realidade... se escrevo justamente para fugir dela, por quê voltar sempre pra ela como se ela fosse um monstro desconhecido? justamente porque sabemos é que fugimos... mas não escapamos...

Chegando em casa, ela se deitou na cama... os cabelos em silêncio caíram sobre o travesseiro de fronha lilás... e os pés ainda um pouco molhados e com algumas areias despencaram molengas sobre o virol branco... as pequenas areias se esfregaram e caíram despercebidas no branco e sentiram que ali não era a casa dela... gritaram por socorro, chamaram pelas mães... mas ninguém ouviu... muito menos ela que sonhava agora com o pedido que o mar acabara de levar. Ser especial. Ela conseguiria ser especial um dia? Como o universo faria isso? Faria? E a cabeça girava em torno dos sonhos de especiarias que poderiam vir de todos os lugares.

Sonhei ontem com Nova Deli. Vista pelas asas de um avião de vidro, era noite, as nuvens passavam e a cidade se revelou magnífica para nós, passageiros daquele avião do futuro, que começamos a bater palma de emoção diante da maravilha que vimos. Nunca pensei em ir na Índia. Tenho uma impressão ruim, suja de lá... Mas os indianos, apesar de achá-los estranhos vistos em Paris, devem ser no mínimo especiais... seremos nós especiais na visão deles? Nova Deli era bonita demais para não querer ser visitada agora... mas o avião só passou por lá... ia pra onde?

E ela na Índia. Índia. Jamais tinha pensado chegar lá... E o desejo de ser especial parecia chegar mais perto. Parou de comer carne sem saber porque... E encontrou a criança que mudaria sua vida e que lhe faria, sim, especial... Saindo do lugar onde estava hospedada em Nova Deli, encontrou um garoto de 6 anos sentado no chão, ao lado de um cachorro bonito, também sentado. Ela, com sua máquina fotográfica, não quis tirar foto. Ficou, sem graça... E o menino falou (com os olhos, com a alma, com a vida): _Tira! E ela tirou... Ele então se levantou, olhou a foto na câmera, segurou na mão macia daquela que já era uma mulher... E que sentiu as mãos pequenas e macias do garotinho do cachorro... Segurou firme, pra não soltar... E andou. Ela se sentiu como a mãe que dá mãos ao filho para levar na padaria. E foi... Andaram pelas ruas de Nova Deli. Caminharam por muito tempo. Ela não fazia ideia de onde estava e quando pensou em voltar já não podia mais. Caminharam sem tentar um palavra. Eles sabiam que não iam se entender. E o garoto parou.

Como parei por várias vezes diante de tantas coisas bonitas... e que fiquei parado um tempo antes de pegar a máquina fotográfica para tirar uma foto...

Ela então viu... com olhos já cheio de lágrimas nos olhos... uma família... uma casa na mais completa pobreza... a mãe, o irmão no colo, o pai... o garotinho e o cachorro se juntam a eles. Eles olham pra mulher.  Ela não consegue segurar a lágrimas nos olhos que escorre com delicadeza e silêncio pelas bochechas. Ela faz o óbvio. Tira a foto. E os olhos e as lágrimas se multiplicam nos olhos dos fotografados...

E a lágrima cai do meu rosto diante de um pôr-do-sol em Marseille. Simples, silenciosa e salgada... Diante do mar, das pedras, das nuvens e da máquina fotográfica... a lágrima escorre...

E faz um cumprimento com cabeça... O garotinho vem correndo ver... Sorri. Volta pro colo da mãe. E dá tchau. O único código que ambos pareciam entender. Mas onde ela estava? Ela se importou com isso nos primeiros 5 segundos e assim que virou para o outro lado viu a rua... os cabelos em silêncio, sua mãos macias... às 18h de pôr-do-sol numa rua desconhecida, numa cidade desconhecida... e a máquina fotográfica... ela tira... e esquece qualquer tentativa de tentar se encontrar... fotografa... tudo que vê... e segue caminhando, até depois de algumas informações, um mapa e um pouco de sorte, chegar ao lugar onde estava hospedada... 

ela havia se tornado especial...

eu ainda não sou especial...