
Ela saiu de casa. Mais um dia. Um dia, aparentemente, como outro qualquer. As folhas estavam no chão, a grama com o orvalho, o jornal na porta e o latido do seu filho. Melquior era um labrador negro, tratado como um filho. Filho que ela não teve.
A escolha da roupa era sempre aleatória, “não gosto dessa história de moda”, dizia sempre. “Uso o que quero, na hora que quero e do jeito que quero”. Naquele dia, Melquior estava de gravatinha azul, a decisão de colocar uma blusa azul com uma calça preta, partiu daí. Brincos e colar prata, cromados. Sapato preto de verniz, meia fina marrom. Um negro prendedor de cabelo, brilhante.
Combinação. Somatória de energias cromáticas. Positividade ou negatividade. Influências na vida, proposição de morte.
Ao sair de casa, o carro apresentou um pequeno problema na hora de girar a chave. Sinal? As cores não eram das melhores. A combinação daqueles tons dava fim a vida da mamãezinha de Melquior, que embora combinasse com sua mãe em cores, não apresentava detalhes cromáticos, nem uma pela clara e um pouco bronzeada de sol.
Silêncio. Não era possível entender aquela alegria e bem-estar, para um dia tão comum. Entretanto, ela se sentia melhor que nunca. Teve a súbita impressão de ver seu pai, já falecido, ao invés de um senhor que atravessara, no semáforo, na frente do seu carro. Chegando ao seu destino final, o trabalho, avistou na porta uma criança loira, uma menina, que sorria para ela. Lembrou-se dela mesma quando criança, sua mãe sempre a chamava de “anjo loiro sorridente”. Passou o resto do dia lembrando de coisas e se divertindo muito. Aproveitando cada lembrança, cada gosto. Por falta de sorte não inverteu sua situação. Uma mulher estava, no trabalho dela, vendendo roupas. A cada experimentar de blusa sua energia mudava, e por segundos, ela não conseguiu positivações suficientes para vencer a negatividade daquela combinação de cores da roupa colocada pela manhã. Aquela blusa preta com detalhes floridos em amarelo e contorno brando poderia ser a salvação, mas não foi. Coisa de quem gosta de economizar pensando no futuro. Futuro?
Ao chegar em casa, conversou muito com Melquior, contando a ele o seu dia especial. Última conversa do filho com a mãe. O cãozinho, órfão em menos de cinco horas, continuava sorrindo e balançando o rabo com sua gravatinha azul. O banho levou um pouco da energia ruim. A nudez purifica. O pijaminha rosa não foi capaz de alterar muita coisa.
No amanhecer: o orvalho, as folhas, o jornal, o latido do filho. Uma mulher morta de parada cardíaca dormia tranquilamente com seu pijama já desbotado da noite fatal.
O rabinho balançava. A gravata destacava. E a fome batia no cachorrinho que começava a sentir cheiro de comida no ar. Incesto.
Nossa... que trágico.... mas mesmo assim,bonito! Isso dá um vídeo hein? Um belo vídeo! Que tal?????
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