por onde andará meu pensamento...
Me espanto, me assusto e me alegro com os caminhos que de vez em quando encontro nos meus pensamentos...



quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Do mar...



O barco acaba de partir levando os meus sonhos, minha vida, meu coração.
Desde que eu era bem moço que eu vejo as gaivotas voando por cima das águas. Elas são livres e podem voar sobre as águas. O meu sonho sempre foi passar por cima das águas e ser livre. Aqui onde eu moro não tem muita coisa. O barulho das águas preenche os meus ouvidos. O vento me dá os sentidos do tato. O sol inibe os meus olhos que são agraciados com a luz da lua e o brilho das estrelas. Os peixes ocupam as minhas narinas. E o gosto de sal não sai da boca mesmo com mel. Disseram que era bom, entretanto aquilo tem o mesmo gosto que as outras coisas.
Certo dia quando eu vi um homem lá longe no mar, eu pensei: quero ser igual a ele. Quero sair por cima das águas, como as gaivotas. E estou até hoje tentando arrumar um jeito de sair deste lugar voando. Já faz tempo. Acontece que eu achei que teria a vida inteira pra fazer isso. O que é o tempo... Não tenho mais tempo! O mar tomou conta da ilha toda, quando a maré sobe a água fica nos joelhos. Ainda dá para viver aqui, mas não por muito tempo. Aquele barco que acabou de sair levou as últimas pessoas que existiam aqui. Menos eu porque eu não quis.
Ainda há a rede que me deixa descansar. Mas a água não vai demorar a cobrir tudo isso, os coqueiros, as casas, os mastros, os bancos. Tudo. E eu aqui tentando inventar algo que me faça voar sobre as águas como as gaivotas.
Agora não dá mais tempo. O barco já foi e eu estou sozinho em alto mar. Eu conheço cada canto desse lugar. De agora em diante eu não conheço mais, isso deixa de pertencer a terra e passa a ser do mar. Eu também. Até hoje fui homem da terra, vivia da terra, vivia na terra. Se eu não conseguir ser como as gaivotas, serei homem do mar, viverei do mar, viverei no mar. Vou me casar com uma sereia.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Incesto


Ela saiu de casa. Mais um dia. Um dia, aparentemente, como outro qualquer. As folhas estavam no chão, a grama com o orvalho, o jornal na porta e o latido do seu filho. Melquior era um labrador negro, tratado como um filho. Filho que ela não teve.
A escolha da roupa era sempre aleatória, “não gosto dessa história de moda”, dizia sempre. “Uso o que quero, na hora que quero e do jeito que quero”. Naquele dia, Melquior estava de gravatinha azul, a decisão de colocar uma blusa azul com uma calça preta, partiu daí. Brincos e colar prata, cromados. Sapato preto de verniz, meia fina marrom. Um negro prendedor de cabelo, brilhante.
Combinação. Somatória de energias cromáticas. Positividade ou negatividade. Influências na vida, proposição de morte.
Ao sair de casa, o carro apresentou um pequeno problema na hora de girar a chave. Sinal? As cores não eram das melhores. A combinação daqueles tons dava fim a vida da mamãezinha de Melquior, que embora combinasse com sua mãe em cores, não apresentava detalhes cromáticos, nem uma pela clara e um pouco bronzeada de sol.
Silêncio. Não era possível entender aquela alegria e bem-estar, para um dia tão comum. Entretanto, ela se sentia melhor que nunca. Teve a súbita impressão de ver seu pai, já falecido, ao invés de um senhor que atravessara, no semáforo, na frente do seu carro. Chegando ao seu destino final, o trabalho, avistou na porta uma criança loira, uma menina, que sorria para ela. Lembrou-se dela mesma quando criança, sua mãe sempre a chamava de “anjo loiro sorridente”. Passou o resto do dia lembrando de coisas e se divertindo muito. Aproveitando cada lembrança, cada gosto. Por falta de sorte não inverteu sua situação. Uma mulher estava, no trabalho dela, vendendo roupas. A cada experimentar de blusa sua energia mudava, e por segundos, ela não conseguiu positivações suficientes para vencer a negatividade daquela combinação de cores da roupa colocada pela manhã. Aquela blusa preta com detalhes floridos em amarelo e contorno brando poderia ser a salvação, mas não foi. Coisa de quem gosta de economizar pensando no futuro. Futuro?
Ao chegar em casa, conversou muito com Melquior, contando a ele o seu dia especial. Última conversa do filho com a mãe. O cãozinho, órfão em menos de cinco horas, continuava sorrindo e balançando o rabo com sua gravatinha azul. O banho levou um pouco da energia ruim. A nudez purifica. O pijaminha rosa não foi capaz de alterar muita coisa.
No amanhecer: o orvalho, as folhas, o jornal, o latido do filho. Uma mulher morta de parada cardíaca dormia tranquilamente com seu pijama já desbotado da noite fatal.
O rabinho balançava. A gravata destacava. E a fome batia no cachorrinho que começava a sentir cheiro de comida no ar. Incesto.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

por hoje...

só mais uma coisa...

"não desejo mais do que sentir o meu próprio cérebro" (Antonin Artaud)

o meu pensamento...

o meu pensamento percorre a mim mesmo...
Investiga minha mente... Conhece o meu cérebro...
O que expresso estava escondido em mim...
E aparece aqui para que eu possa me desprender e continuar a viagem, sem perder as descobertas já feitas...
e nem eu mesmo sei...

por onde viajará meu pensamento...

Por onde andará seu pensamento

A uma hora dessas
por onde estará seu pensamento
Terá os pés na terra
ou vento no cabelo?
A uma hora dessas
por onde andará seu pensamento
Dará voltas na Terra
ou no estacionamento?
Onde longe Londres Lisboa
ou na minha cama?
A uma hora dessas
por onde vagará seu pensamento
Terá os pés na areia
em pleno apartamento?
A uma hora dessas
por onde passará seu pensamento
Por dentro da minha saia
ou pelo firmamento?
Onde longe Leme Luanda
ou na minha cama?

Seu pensamento - Adriana Calcanhotto