O barco acaba de partir levando os meus sonhos, minha vida, meu coração.
Desde que eu era bem moço que eu vejo as gaivotas voando por cima das águas. Elas são livres e podem voar sobre as águas. O meu sonho sempre foi passar por cima das águas e ser livre. Aqui onde eu moro não tem muita coisa. O barulho das águas preenche os meus ouvidos. O vento me dá os sentidos do tato. O sol inibe os meus olhos que são agraciados com a luz da lua e o brilho das estrelas. Os peixes ocupam as minhas narinas. E o gosto de sal não sai da boca mesmo com mel. Disseram que era bom, entretanto aquilo tem o mesmo gosto que as outras coisas.
Certo dia quando eu vi um homem lá longe no mar, eu pensei: quero ser igual a ele. Quero sair por cima das águas, como as gaivotas. E estou até hoje tentando arrumar um jeito de sair deste lugar voando. Já faz tempo. Acontece que eu achei que teria a vida inteira pra fazer isso. O que é o tempo... Não tenho mais tempo! O mar tomou conta da ilha toda, quando a maré sobe a água fica nos joelhos. Ainda dá para viver aqui, mas não por muito tempo. Aquele barco que acabou de sair levou as últimas pessoas que existiam aqui. Menos eu porque eu não quis.
Ainda há a rede que me deixa descansar. Mas a água não vai demorar a cobrir tudo isso, os coqueiros, as casas, os mastros, os bancos. Tudo. E eu aqui tentando inventar algo que me faça voar sobre as águas como as gaivotas.
Agora não dá mais tempo. O barco já foi e eu estou sozinho em alto mar. Eu conheço cada canto desse lugar. De agora em diante eu não conheço mais, isso deixa de pertencer a terra e passa a ser do mar. Eu também. Até hoje fui homem da terra, vivia da terra, vivia na terra. Se eu não conseguir ser como as gaivotas, serei homem do mar, viverei do mar, viverei no mar. Vou me casar com uma sereia.
