por onde andará meu pensamento...
Me espanto, me assusto e me alegro com os caminhos que de vez em quando encontro nos meus pensamentos...



segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sobre realidade e ficção.

Tinha as mãos macias. Os cabelos silenciosos. A boca brilhava, de rosa, vermelho, gloss... Sabia que tudo na vida ia passar, mesmo que um dia as coisas parecessem um pouco mais eternas.
Nesse silêncio de vento que esvoaça cabelos, às 18h de um pôr do sol numa praia qualquer, ela escreve na areia os desejos mais verdadeiros e silenciosos da sua vida: ser, ser alguém, ser alguém especial. E ponto final.
As ondas que vêm e levam sua letra especial, também molham os pés, especiais, e fazem todo o corpo arrepiar... água gelada do mar... água do desejo...

Não tenho mais o que dizer... e sempre digo isso desde Paris... quero falar, dizer, gritar... mas não sai muito bem... só sei falar de mim... não consigo me voltar para as histórias dos outros... desses tantos outros que passam pela minha cabeça agora... da mulher especial, do homem que criou raízes nos pés, da menina encantada, da... da vida... da vida que corre e arrasta... arrastão... e nós peixes pegos, vemos, mas não entendemos e não conseguimos escapar da rede... redes... facebook, twitter, orkut (ultrapassado), blog's, redes sociais... sociais... mas não queria falar de realidade... se escrevo justamente para fugir dela, por quê voltar sempre pra ela como se ela fosse um monstro desconhecido? justamente porque sabemos é que fugimos... mas não escapamos...

Chegando em casa, ela se deitou na cama... os cabelos em silêncio caíram sobre o travesseiro de fronha lilás... e os pés ainda um pouco molhados e com algumas areias despencaram molengas sobre o virol branco... as pequenas areias se esfregaram e caíram despercebidas no branco e sentiram que ali não era a casa dela... gritaram por socorro, chamaram pelas mães... mas ninguém ouviu... muito menos ela que sonhava agora com o pedido que o mar acabara de levar. Ser especial. Ela conseguiria ser especial um dia? Como o universo faria isso? Faria? E a cabeça girava em torno dos sonhos de especiarias que poderiam vir de todos os lugares.

Sonhei ontem com Nova Deli. Vista pelas asas de um avião de vidro, era noite, as nuvens passavam e a cidade se revelou magnífica para nós, passageiros daquele avião do futuro, que começamos a bater palma de emoção diante da maravilha que vimos. Nunca pensei em ir na Índia. Tenho uma impressão ruim, suja de lá... Mas os indianos, apesar de achá-los estranhos vistos em Paris, devem ser no mínimo especiais... seremos nós especiais na visão deles? Nova Deli era bonita demais para não querer ser visitada agora... mas o avião só passou por lá... ia pra onde?

E ela na Índia. Índia. Jamais tinha pensado chegar lá... E o desejo de ser especial parecia chegar mais perto. Parou de comer carne sem saber porque... E encontrou a criança que mudaria sua vida e que lhe faria, sim, especial... Saindo do lugar onde estava hospedada em Nova Deli, encontrou um garoto de 6 anos sentado no chão, ao lado de um cachorro bonito, também sentado. Ela, com sua máquina fotográfica, não quis tirar foto. Ficou, sem graça... E o menino falou (com os olhos, com a alma, com a vida): _Tira! E ela tirou... Ele então se levantou, olhou a foto na câmera, segurou na mão macia daquela que já era uma mulher... E que sentiu as mãos pequenas e macias do garotinho do cachorro... Segurou firme, pra não soltar... E andou. Ela se sentiu como a mãe que dá mãos ao filho para levar na padaria. E foi... Andaram pelas ruas de Nova Deli. Caminharam por muito tempo. Ela não fazia ideia de onde estava e quando pensou em voltar já não podia mais. Caminharam sem tentar um palavra. Eles sabiam que não iam se entender. E o garoto parou.

Como parei por várias vezes diante de tantas coisas bonitas... e que fiquei parado um tempo antes de pegar a máquina fotográfica para tirar uma foto...

Ela então viu... com olhos já cheio de lágrimas nos olhos... uma família... uma casa na mais completa pobreza... a mãe, o irmão no colo, o pai... o garotinho e o cachorro se juntam a eles. Eles olham pra mulher.  Ela não consegue segurar a lágrimas nos olhos que escorre com delicadeza e silêncio pelas bochechas. Ela faz o óbvio. Tira a foto. E os olhos e as lágrimas se multiplicam nos olhos dos fotografados...

E a lágrima cai do meu rosto diante de um pôr-do-sol em Marseille. Simples, silenciosa e salgada... Diante do mar, das pedras, das nuvens e da máquina fotográfica... a lágrima escorre...

E faz um cumprimento com cabeça... O garotinho vem correndo ver... Sorri. Volta pro colo da mãe. E dá tchau. O único código que ambos pareciam entender. Mas onde ela estava? Ela se importou com isso nos primeiros 5 segundos e assim que virou para o outro lado viu a rua... os cabelos em silêncio, sua mãos macias... às 18h de pôr-do-sol numa rua desconhecida, numa cidade desconhecida... e a máquina fotográfica... ela tira... e esquece qualquer tentativa de tentar se encontrar... fotografa... tudo que vê... e segue caminhando, até depois de algumas informações, um mapa e um pouco de sorte, chegar ao lugar onde estava hospedada... 

ela havia se tornado especial...

eu ainda não sou especial...